ENTRE A GÊNESIS E A RESILIÊNCIA
Fabiano de Andrade
em um retorno, saudoso e exigente.
SÍNDROME DE BARTLEBY OU POEMA DA DESPEDIDA
O jovem poeta que vivia a perguntar
O parecer alheio sobre os versos seus
Sentenciou-se espantado ao se revelar
Que o maior, melhor: crítico mais severo.
Único a dar ouvidos, abraços e versos
É senão ele mesmo: sereno e sincero!
Então, de tão olímpica ciência poética
A pena esqueceu, nunca mais escreveu!
Dizia com sorriso sério: é questão de ética!
Aspiro uma poética tão majestosa
Como aspira feroz a Vida um suicida:
Na inaptidão vergonhosa, adeus glosa!
Na inexatidão perniciosa, adeus vida!
Ah noção de poesia, porque tão grandiosa?!
Como é a noção de vida para o suicida!
Enfim, interrompeu para sempre o escrever
Como aquele eternamente deixou o não viver!
Fabiano de Andrade
19 de março de 12
COMO MOVER UMA MONTANHA
"Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar."
—Wittgenstein.
Passei horas tentando escrever uma linha sobre eu e você, algo que encaixasse as palavras - e ideias – prudência e amor. Ao fim, o Amor provou-se tão impregnado e tácito, que não descolou centelha alguma em palavra; retenção lírica que não se confunde com inexpressão: conhece o silencioso olhar enamorado? Ou as ações que dizem, que gritam, eu te amo?! Silêncios e ações, os quais só os que têm a chave - olhos para ver, ouvidos para ouvir – que reconhecem. Todo coração empedernido é cego, farpado por dor e receio. E a maior prudência de todas, foi-me o papel que se exigiu branco. Branco de tão puro, ou talvez branco de medo, que por vezes tem a furta-cor da prudência. Deus nos conceda o tão raro dom de discernir cores que nos furtam...
Fabiano de Andrade
IRONIAS DAS IRONIAS
A Ironia é arma devastadora, lares que poderiam se aquecer com a energia nuclear de uma infantaria. Certo dia enojou-me a ironia - o cinismo que corrói a claridade do peito aberto. Foi quando o humour servil ao algoz dos que se arrogaram por terem uma pedra em mãos e saber como usá-la, e não como elevação de um estado ou de uma ótica. Desgraça dos altivos, fazem dos ombros dos irmãos sua escada. A indiferença é a lei do ironista inveterado; a afetação, sua pena. Não se ama, sinceramente não se ama: ah como não te odeio... Piedade: importo-me tanto com você quanto o mundo... Ironia: quando um ato vira seu oposto, pretensiosamente desejando ser o mesmo ato, porém com maior energia, algo sempre se perde, uma essência escorre de seu negativo. Perde-se no subtendido, talvez não o sentido em si – que é tendencioso - mas o dar-se a cara à sinceridade, a vivacidade de ser puro, de ser inocente, de se ser e só; e não pensar por demais nas conseqüências, em como podemos deste modo nos ferir, sermos frágeis, pois ao passo destes pensamentos, nos abrigamos em um anestésico asilo: e quem nota que a ironia, por vezes é mais defesa que próprio ataque?! Grande peito, finíssima imensidão. Deste modo, a ironia torna-se um maldito verme que destrói a integridade. Assim, se pode ferir, sangrar, matar! pelo simples receio bruto de morrer. Não é cada vida feita de várias mortes em si? Ah morre-se muito para poder-se viver. Mas todos fogem – proteção, manutenção, conservação, covardia –, bem aventurado os que sabem morrer, pois esses estão condenados à vida. Perdão, novamente ironia...
Fabiano de Andrade
ABSOLVIÇÃO
Nesse momento em que você veio com uma formidável pedra em mãos, e, do peito transbordando intenções perniciosas, abruptamente engoliu o fel que subia à garganta, pois o outro, de quem esperava reação tão feroz quanto, foi doce, amável e sereno. Aprendi assim, que às vezes a melhor resposta para um grito não é um eco, mas sim um abraço.
Fabiano de Andrade
27 de janeiro de 2012
AMOR-MOR
À Leidiane Pereira; sem verbo.
Amor que faz eco é amor maior, Amor-mor...
Chegamos ao tempo, - nosso tempo – que dizer
te amo, te odeio, não adianta,
tamanha é a traição de nossas palavras
perante a profunda consciência da gente.
Os corpos se desgastam em palavras,
Vocábulos são levianos, leve anos...
30 de junho de 2011
Fabiano de Andrade
O DESRESPEITO
O conheci no café da esquina, só nos restava um pão de queijo. Eu estava atrasada. Ele avistou primeiro o derradeiro pão de queijo, mas fingira que não o queria, deixando-o assim, para mim. Então, entrando na ciranda, eu fingi que não percebi. Mas propus dividi-lo. Eu usava meus óculos escuros, por receio que alguma lágrima da noite anterior ainda estivesse em meu rosto: “Nunca mais amar” fora a minha resolução. Em meio a conversa, tão quente quanto o café, notei sem querer que “a gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixa cativar” estava escrito na capa da agenda dele. Em menos de dez minutos nos despedimos, sem menor compromisso futuro. Falei “tchau”, pensei “adeus.” Sem querer me atrasei nos dias seguintes. Quando havia mais que um pão de queijo esperava restar o último. Ás vezes, comprava todos e deixava lá o nosso último. Mas não queria correr o risco de chorar um pouco, não me deixei cativar. Ele me desrespeitou, mas não, não me deixei cativar. Acho que afinal, amor é desobediência mesmo. Por fim, não consegui evitar as lágrimas, nem mesmo no casamento...
Fabiano de Andrade
BALADA DO CORAÇÃO
Meu coração é vasto como o deserto
Dentro de uma ampulheta,
E sua tempestade, areia de alabastro
Dança de lado a outro
Casto, somente quer o bem; a quem?!
Criança a lançar o tempo,
Sobre inocentes; por amar, culpados.
O areal afoga em monte
Sem norte, tais corações ancorados
Sem ponte, em cais distintos.
Tinto menear de se apaixonar; minto?!
Queira oh meu Deus, que tal
Pulsação não seja meu natural
Batimento; violento
Intento de intenso viver – vil fraude.
Coração, não serias
Órgão feito pra bombear sinfonias?
Então, o meu não foi feito
Foi defeito apenas pra bombardear.
Se é assim: é tanto vasto
Quanto nefasto, meu poeril bailar.
Mas há de vir dilúvio, divina ventura
(Brotar no ventre do tempo, semente pura)
Chuva a transformar meu deserto vasto em pasto.
Fabiano de Andrade
16 de abril de 2011